Numa de suas homilias no tempo da Páscoa, Santo Agostinho (séc. V), ensinou: “Toda a nossa vida presente deve transcorrer no louvor de Deus, porque louvar a Deus será também a alegria eterna de nossa vida futura. (...) Agora, pois, irmãos, vos exortamos a louvar a Deus. É isso o que todos nós exprimimos mutuamente quando cantamos: Aleluia. (...) Mas louvai-o com todas as vossas forças, isto é, louvai a Deus não só com a lingua e a voz, mas também com a vossa consciência, vossa vida, vossas ações. Na verdade, louvamos a Deus agora que nos encontramos reunidos na igreja. Mas logo ao voltarmos para casa, parece que deixamos de louvar a Deus. Deixas de louvá-lo quando te afastas da justiça e do que lhe agrada. Mas, se nunca te desviares do bom caminho, ainda que tua lingua se cale, tua vida clamará; e o ouvido de Deus estará perto do teu coração.” Santo Agostinho mostra aos cristãos as diversas formas e os muitos momentos em que pode ser feita a sua oração. A linguagem da oração de cada um, em seu encontro com Deus, compreende a consciência, a vida e a ação e em que lugar pode ser feita. Quem ora, em verdade, deve fazê-lo com a consciência mais genuína. Mostra, porém, que algumas atitudes distanciam a pessoa de Deus, mesmo quando faça sua oração. Esse ensinamento do Bispo de Hipona continua sendo plenamente útil para para cada pessoa que inclui a prática da oração em sua vida.
Todavia, esta pode ser feita de forma equivocada e, portanto, infrutífera, como aquela dos surrupiadores do dinheiro público, em Brasilia, que se deram as mãos para agradecer a Deus o resultado de sua corrupção, mediante a “oração da propina”, como ficou jornalisticamente conhecida, cujas imagens ainda estão vivas na mente das pessoas. “A flagrante corrupção destes parlamentares que se denominam evangélicos é gritante. Porém, a oração destes deputados, agradecendo a Deus pela propina recebida, reverbera ainda mais, causando repulsa e indignação em milhares de cristãos sinceros que foram gravemente ofendidos em sua fé, pela forma hipócrita em que estes senhores externam sua devoção. As câmeras ocultas da Polícia Federal oferecem prova contundente da vil atitude, bem como da religiosidade vã destes servidores de Mamom.” Nos tempos do nazismo, absurdamente, um hino pedia a proteção de Deus para Hitler; patrulhada, mentalmente, a juventude hitlerista invocava a ajuda de Deus para sua causa macabra: “Diante dessa bandeira de sangue, que representa nosso Führer, juro devotar todas as minhas energias e forças ao salvador da nossa pátria, Adolf Hitler. Estou disposto e pronto a dar a minha vida por ele, com a ajuda de Deus.” Esse tipo de oração a Deus e de invocação do nome de Deus contraria o segundo Mandamento: “Não tomar o seu Santo Nome em vão”.
Santo Agostinho deixa bem claro ao fiéis que não basta fazer a oração com a lingua e os lábios (oração vem dessa palavra latina: os, oris = boca) e que há necessidade de ser feita, coerentemente, além da Igreja. Esse ensinamento está respaldado na profecia de Isaias que Jesus proclama e assume: “Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim.” (Mt 15,8) Portanto, há uma responsabilidade muito grande para quem ora a Deus dessa forma, porque fazendo a oração equivocada e mal-intencionadamente, em alguns casos, pode deseducar outras pessoas com sua atitude orante.
Se não revelar a verdade dos sentimentos, das palavras e das atitudes, a oração de louvor a Deus se esvazia, por não conter a dimensão de eternidade que faz parte de sua natureza.
Dom Genival Saraiva de França é Bispo da Diocese de Palmares - PE; Presidente da Conferência Nacional de Bispos Regional Nordeste 2 (CNBB NE2), Responsável pela Comissão Regional de Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz; Diretor presidente do Conselho de Orientação do Ensino Religioso do Estado de Pernambuco (CONOERPE); Membro efetivo do Conselho Econômico da CNBB NE2.
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