terça-feira, 25 de outubro de 2011

Unidade, Liberdade, Caridade - Dom Genival Saraiva

A convocação do Concílio Vaticano II, pelo Papa João XXIII, e o início das atividades conciliares representaram, sem dúvida, um marco divisor da história da Igreja. Por séculos, ela se regia pela doutrina e pela disciplina do Concílio de Trento (1545-1563). O Concílio Vaticano I, não obstante o curto período de sua duração (8 de Dezembro de 1869 a 18 de Dezembro de 1870), é considerado o “acontecimento de maior relevo na História da Igreja do século XIX”, dado que definiu verdades doutrinárias de relevância eclesial, por serem dogmáticas, como “primado e infalibilidade do Papa”. É importante saber que o magistério do Papa se reveste desse status, nas seguintes condições: “1. É necessário que ele fale ‘ex-cathedra’, isto é, de maneira decisiva, como Pastor e Mestre dos cristãos, e não apenas de modo particular. Ele não é obrigado a consultar algum Concílio e ninguém, embora possa fazê-lo, e quase sempre o faz. 2. A matéria a ser definida se refira apenas à fé e à moral; isto é, se relacione com a crença e o comportamento dos cristãos. 3. Que o Sumo Pontífice queira proferir uma sentença definitória e definitiva, irrevogável, imutável, sobre o assunto em questão.”

João XXIII, no curto e rico tempo de seu pastoreio, denominado “primavera da igreja”, trouxe a realidade do mundo para o coração da Igreja, abriu as portas da Igreja para o mundo, suscitou iniciativas e adotou providências, visando a relação e a convivência entre Igrejas e Religiões. Nesse sentido, escreveu na Encíclica “Ad Petri Cathedram”, de 29 de junho de 1959: “Mas é preciso manter também a norma comum que, expressa com palavras diversas, se atribui a diferentes autores: nas coisas necessárias, unidade; nas duvidosas, liberdade; em todas, caridade.” O Papa assumiu em seu magistério petrino e em sua prática pastoral essa verdade, com toda significação que tem: “Haja unidade nas coisas essenciais, liberdade nas coisas acidentais, e caridade em todas as coisas”.

Para o magistério da Igreja, as “coisas essenciais” dizem respeito ao campo da fé e da moral; por conseguinte, aqui deve haver unidade na Igreja Católica. Os “dogmas de fé” são verdades que estão entre essas “coisas essenciais”; por estarem no campo moral, a clonagem humana, a utilização de células tronco embrionárias e a prática do aborto são realidades rejeitadas pela fé católica; portanto, essa matéria, incluída nas “coisas essenciais”, está no campo da unidade .

O fenômeno da convivência e do relacionamento, no mundo eclesial e em qualquer âmbito da vida social, se estabelece melhor quando se pauta no princípio da “liberdade nas coisas acidentais”. Assim, num processo de “Evangelização Inculturada”, é absolutamente pertinente o esforço da Igreja de anunciar a Boa Nova, levando em consideração o perfil de uma sociedade urbana, rural, industrial, midiática, pluralista e, em razão desse dado, assumir uma prática pastoral que contemple a “liberdade nas coisas acidentais”. Dessa forma, o mistério da fé fica preservado na liturgia quando, numa determinada sociedade, são adotados símbolos e gestos que têm uma linguagem eloquente em sua cultura. 

A sabedoria da Igreja ensina que, em qualquer contexto, situação, tempo e lugar, a convivência entre as pessoas deve ter a caridade como referência norteadora, seguindo o ensinamento de São Paulo, de incomparável riqueza e beleza, no seu “Hino à caridade”. (cf 1Cor 13, 1-7) Da mesma forma, na Igreja, deve haver “caridade em todas as coisas”, essenciais ou acidentais, porque, segundo São Paulo, ela “jamais acaba.” (1Cor 13,8).

Dom Genival Saraiva de França é Bispo da Diocese de Palmares - PE; Presidente da Conferência Nacional de Bispos Regional Nordeste 2 (CNBB NE2), Responsável pela Comissão Regional de Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz; Diretor presidente do Conselho de Orientação do Ensino Religioso do Estado de Pernambuco (CONOERPE); Membro efetivo do Conselho Econômico da CNBB NE2.

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