sexta-feira, 1 de março de 2013

Dom Orani Tempesta: Jornada no Rio será ‘bom início’ para novo Papa


Nascido no interior de São Paulo, Dom Orani Tempesta, 62 anos, foi arcebispo de Belém antes de assumir a Arquidiocese do Rio de Janeiro, há quatro anos, e hoje está na fila para ser nomeado cardeal. Modesto, ele jura que não tem a “pretensão” de ser elevado ao cargo e que tem é muito trabalho a fazer. Como todo o planeta, foi surpreendido este mês pela renúncia do Papa Bento 16, justamente no ano em que o Rio receberá a Jornada Mundial da Juventude, em julho. Mas Dom Orani não acha que a festa dos jovens católicos será ofuscada pelo furacão que se instalou no Vaticano desde que o Santo Padre decidiu sair de cena e o noticiário internacional passou a se dedicar a intrigas palacianas e escândalos no coração da Igreja. Em verdade, Dom Orani acha que a vinda para a Jornada, provavelmente, será a primeira viagem longa do novo Papa que terá, na Cidade Maravilhosa, um “bom início” de seu pontificado.

O DIA: Como o sr. analisa a renúncia do Papa diante do noticiário que começou na imprensa italiana de que a descoberta de uma rede de prostituição integrada por religiosos dentro do Vaticano teria sido a gota d’água para ele?

DOM ORANI TEMPESTA: Eu vejo que há muitas opiniões querendo explicar a razão de o Papa ter renunciado. É uma coisa inédita em um bom tempo, então, tem que se encontrar uma explicação. Eu vejo explicação numa outra linha. Dentro do Vaticano, fora do Vaticano, problema na Igreja sempre teve. Onde tem ser humano tem dificuldades e, claro, cada um de nós, quando vai para uma paróquia, uma diocese ou para uma responsabilidade como o Vaticano, sabe que vai encontrar ali a convergência de todas as coisas não só da Igreja como do mundo todo porque o Papa não só se pronuncia quanto à Igreja, mas exigem dele se pronunciar sobre tudo o que acontece no mundo. Eu vejo de outra forma. O Papa Bento 16 tem uma formação teológica, intelectual, e seu caráter de estar à frente do que está acontecendo e ao mesmo tempo vendo a força declinar... 86 anos: ele tem mais idade do que tinha João Paulo 2º quando morreu. E claro que, por mais que seja forte, no entanto, tem dificuldade. Por exemplo, não foi recomendado que fizesse mais grandes viagens. Mas ele disse que, para a Jornada (Mundial da Juventude, em julho no Rio), o Papa viria, não importa a recomendação médica. Ele disse “ou eu ou meu sucessor”. 

O sr. acha que ele já pensava em renunciar antes de receber o relatório citado pela imprensa italiana?

Ele já tinha essa questão toda. Ele sabia dessas dificuldades, dessas limitações. Ele escolheu Bento como nome por sua ligação com a vida beneditina. Ele assinou sua declaração de renúncia no dia 10 de fevereiro, dia de Santa Escolástica, irmã de São Bento. Depois disso, ele disse aos padres de Roma que estaria presente embora não mais visível, estaria rezando no mosteiro. São Bento, na Regra de São Bento, capítulo I, coloca assim: que o monge, depois de ter vivido numa comunidade, de ter trabalhado, de ter lutado contra o mal e tudo o mais, ele pode ser eremita, pode passar agora uma vida de recolhimento, sozinho e não mais no seu dia a dia de seu trabalho. Não vejo que tenha sido por um motivo recente. Há uma conversa com seu biógrafo que ele queria renunciar aos 85, mas, na época, estava aquela discussão dos documentos do Vaticano (em janeiro de 2012, o vazamento de documentos secretos da Santa Sé ficou conhecido como o ‘escândalo do Vatileaks’). Ele não teria renunciado. Na realidade, qualquer coisa que surja agora: “Ah, ficou com medo de alguma coisa”... Acontece ao contrário. Ele esperou que as coisas ficassem mais tranquilas para fazer o que já tinha na cabeça.

O sr. acha que, ao anunciar sua saída, Bento 16 expôs ao mundo que há algo errado dentro da Igreja?

Muitas coisas que há agora são coisas que já estavam há mais tempo que, inclusive, ele já tinha resolvido: “Está encaminhado, então, agora, eu posso passar a vida rezando”. Faz parte de sua forma beneditina de pensar.

O fato de o Papa sair do cargo por sua vontade enfraquece a Igreja?

Não. Com renúncia ou com morte, sempre há sucessão do Papa. Quando João Paulo 2º ficou doente, ficou fragilíssimo, não conseguia falar mais, a Igreja estava sem líder? Não, tinha liderança ali. Pelo contrário, a sociedade civil viu nisso um jeito de contestar muita gente que devia fazer o mesmo e não faz.

Por exemplo?

Você deve ter visto vários comentários políticos aí... Agora, a questão de vacância é natural, acontece ou por renúncia ou por morte. A reação geral tem sido positiva.

Se o sr. fosse o Papa...

(Risos) Isso nem me passa pela cabeça ...

Então, no cargo que o sr. ocupa hoje, o que o sr. faria se recebesse um relatório similar a este que, segundo a imprensa italiana, detectou uma rede de prostituição no Vaticano?

Eu creio que todos os relatórios, primeiro, precisa verificar a procedência e a veracidade. Em sendo verdadeiras as acusações, tem que se apurar e tomar as devidas providências cada caso no seu caso. Porque a gente não pode ficar desesperado, mas não se pode ser injusto. Se colocar uma lei geral, pode cair numa injustiça de tratar coisas diferentes de maneira igual. Tem que ver os casos e ir resolvendo. Isso acontece com país, com estado, com Igreja e tudo o mais. Onde tiver ser humano, tem fragilidade. Cabe a nós ver o que tem conserto, o que não tem conserto e arrumar.

O sr. tem expectativa de ser nomeado cardeal?

Aí, é uma expectativa do carioca, né? (Risos) Mas eu não tenho assim nenhuma pretensão, não. Tenho tanto trabalho para fazer, faço com tanta alegria aqui no Rio de Janeiro... Tanta coisa que eu tenho pra fazer...

O Papa Bento 16 ainda pode nomeá-lo cardeal?

Acho muito improvável. Ele já está com a renúncia marcada para o dia 28. Os cardeais estão lá em Roma chegando já para o conclave, para a eleição do Papa. Então não tem clima.

Mas para uma cidade ser anfitriã da Jornada Mundial da Juventude não precisa ter um cardeal?

Não tem necessidade. Saiu uma história aí de que o Papa só vai visitar onde tem cardeal, isso não é verdade. Quando o Papa João Paulo 2º visitou o Brasil, foi a capitais onde não tinha cardeal. Ele vai aonde é chamado. Agora, esse novo Papa que vai ser eleito... provavelmente será uma das primeiras viagens que ele fará em seu pontificado. Vem para a América Latina, que é o lugar onde nós temos quase 50% dos católicos do mundo, para falar para a juventude, que é o futuro do mundo, num país que tem o maior número absoluto de católicos. Então, é um bom início, né?

Está na hora de ser eleito um Papa das Américas?

Olha, não é questão de nacionalidade. O Papa acaba sendo internacional de qualquer jeito. Ele vem com uma experiência de onde está vindo e tenho certeza de que vindo de qualquer país, qualquer região do mundo, na hora em que assume, ele tem uma visão universal da Igreja.

Sinto que o sr. está fugindo da torcida por um Papa brasileiro. É por uma questão diplomática, não faz diferença?

Não, não faz mesmo não. Eu gosto muito dos cardeais brasileiros, tenho muita amizade com todos eles, são ótimos. 117 cardeais vão votar. Lá, vão ver as convergências.

No ano em que o Rio vai ser a sede da Jornada Mundial da Juventude, como atrair os jovens para a Igreja numa época em que eles ficam tão expostos a todo o tipo de informação — na internet, por exemplo?

A Igreja tem todo um trabalho de evangelização para discutir justamente esse aspecto, não só com os jovens, mas com a sociedade. Como falar de Deus para os ateus, para os indiferentes, para um mundo que não quer saber mais da transcendência? É uma pergunta que temos que responder de que forma fazer. E os jovens, é claro, que espelham um pouco toda essa sociedade. O que a gente vê com muita clareza é que o jovem é chamado ao que é o encontro com Jesus Cristo, com a vida que ele tanto busca, com os anseios que ele tem no coração. O jovem tem anseios de entender sua própria vida, de valorizar a própria existência e tudo o mais. “Quem é Deus na minha vida? Quem é esse Jesus Cristo de que tanto falam? Na medida em que você leva o jovem — e não só o jovem, mas qualquer outra pessoa — a encontrar essa razão da vida em Jesus Cristo e encontrar em Deus sua própria vida, a pessoa se convence pelo encontro com o Senhor e passa a ter uma vida diferente.

O sr. acha que a Igreja deve participar da política partidária?

A Igreja tem a seguinte questão: nós queremos formar as pessoas para que elas tenham consciência e liberdade, com responsabilidade. A Igreja não quer substituir a consciência das pessoas; por isso, somos muito ciosos de não querer tirar a responsabilidade das pessoas dizendo: “Vota nesse, não vota naquele”. A não ser num momento muito crítico da sociedade, um problema muito sério...

Fonte: Jornal O Dia

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