O martírio é uma das faces do
cristianismo, ao longo dos tempos. A calmaria em alguma parte do mundo é
contrastada noutra, dada a virulência da perseguição aos discípulos de Jesus
Cristo. Por sinal, Ele já havia afirmado: “Bem-aventurados os perseguidos por
causa da justiça porque deles é o reino dos céus”. (Mt 5,10) A perseguição aos
cristãos se revelou logo no início da vida da Igreja, começando com o martírio
de Santo Estevão, de Tiago e dos demais Apóstolos. As forças humanas não são suficientes
para que uma pessoa enfrente a violência do martírio com fidelidade e
serenidade. A convicção da fé cristã, fortalecida pela graça divina, está raiz
do testemunho do martírio. Os patrocinadores do martírio, sempre ligados ao
poder político, social e religioso, entendiam que o martírio de umas pessoas
levaria à negação da fé cristã. Ao contrário, como ensina Tertuliano, “O sangue
dos mártires é semente de novos cristãos.”
A
intolerância, a intransigência, o fanatismo e o fundamentalismo sempre estão na
raiz e no centro dessa prática ofensiva à liberdade de fé e de culto e aos
direitos humanos. A própria história do cristianismo tem páginas avermelhadas
de sangue, em diversos momentos, como no tempo das Cruzadas, em razão da defesa
da fé cristã, e da Inquisição, em vista da defesa da doutrina católica. Ainda
hoje esses sentimentos de intolerância e intransigência e essas atitudes de
fanatismo e fundamentalismo, lamentavelmente, estão ancorados na prática de uma
religião, de uma fé. O palco e a forma de martírio de cristãos têm o perfil de
cada tempo e lugar, porém a razão é a mesma – impedir a vivência, o testemunho
e a expansão da fé cristã. Na visão de muitas pessoas, o tempo dos mártires
passou porque os cristãos não estão sendo mais levados a coliseus e arenas,
como espetáculo para olhos curiosos e corações endurecidos. Na realidade, eles
continuam sendo duramente perseguidos, em diversas nações, por detentores do
poder político, por membros de organizações da sociedade, declaradas ou
ocultas, e por seguidores fundamentalistas de algumas religiões. Diferentemente
dos primeiros tempos, quando eram levados a tribunais para julgamentos, com
argumentos sabidamente forjados, como no caso do próprio Jesus e de Santo
Estevão, nos dias de hoje o martírio de cristãos acontece pela via do massacre
coletivo, atingindo, indistintamente, crianças, jovens e adultos, em suas
moradias, no seu ambiente de trabalho e nos seus lugares de culto. Uma
estatística estarrecedora confirma a crueldade da perseguição e morte de
cristãos: “Só em 2012, foram mortos 105 mil cristãos por causa da fé”. Nesse
número, estão incluídos cristãos de diferentes denominações. João Paulo II, na
comemoração do Jubileu do ano 2000, definiu essa realidade como “o ecumenismo
dos mártires”. Diante desse quadro, o Papa Bento XVI afirmou que o cristianismo
é “a religião mais perseguida do Planeta.”
Há uma grandeza no martírio dos cristãos,
sofrido por causa do Reino de Deus, mas há uma iniquidade na raiz da
perseguição e na aplicação do martírio, quaisquer que sejam a motivação e o
pretexto de sua prática. Vê-se, pois, que o martírio faz parte, umbilicalmente,
do ser do cristianismo; não é um registro circunstancial na história da Igreja
católica. Na pessoa de seus discípulos e discípulas, Jesus continua sendo
perseguido e martirizado.
Dom Genival
Saraiva
Bispo Emérito
da Palmares - PE
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