A maioria dos
católicos praticantes sabe que a quaresma é o tempo de preparação para a Páscoa
do Senhor.
O Diretório da
Liturgia da CNBB nos indica que este tempo começa na 4ª feira de cinzas e
termina na 5ª feira Santa, antes de celebrarmos a Missa da Ceia do Senhor (a
missa do Lava-pés). Com esta missa damos início ao Tríduo Pascal.
“Com que
coisa podemos comparar a Quaresma? Que parábola podemos usar? (cf. Mc 4,30)”. É como aquela
situação em que uma pessoa vai celebrar uma grande festa e que precisa arrumar
a casa para que ela possa estar limpa, bonita para o grande dia. É como o
outono, quando a árvore perde as folhas velhas para se revestir com as novas. É
como a pessoa que toma banho, põe a roupa limpa e se perfuma para receber o(a)
amado(a). É como a mulher que durante nove meses faz o enxoval para a criança
que vai nascer. É como o atleta que treina para correr na maratona. É como a
ave que deixa cair as penas velhas para que nasçam as plumas novas.
Todo momento
importante na nossa vida exige um período de preparação, assim é a catequese
para a recepção do sacramento, o namoro para o casamento, o curso para a
formatura.
Não poderia
ser diferente com a festa da páscoa cristã, memória da Ressurreição do Senhor.
Pra festa da vitória da vida, nos preparamos com um tempo de conversão, mudando
de direção, dirigindo o nosso olhar para Jesus, mudando o coração. “Hoje não
fecheis o vosso coração..., mas ouvi a voz do Senhor” (Sl 94). Tempo de
reconhecer os sinais de morte, os sinais do homem velho que existem em nós para
re-nascermos com Aquele que faz nova todas as coisas. (cf. 2 Cor 5,17).
A tradição
cristã nos convida a viver este tempo a partir das três grandes práticas
penitenciais: jejum, oração e esmola.
A Igreja nos
convida ao jejum (deixar de comer por um período) ou à abstinência (abrir mão
de alguma coisa muito importante ou de algo que gostamos de fazer ou de comer).
Numa sociedade como a nossa, marcada pelo prazer, estes gestos são tidos como
coisas ultrapassadas. Outras pessoas exageram nesta prática, como se o nosso
Deus fosse um Deus sádico, que quanto mais sacrifício fizermos, quanto mais dor,
mais sofrimento, melhor será. Esse gesto deveria ser entendido como um exercício
quaresmal, um exercício de conversão. Da mesma forma que o atleta precisa
treinar para chegar à vitória, o cristão se exercita para estar livre das
coisas e se tornar livre para Deus. Abrir mão de algo essencial na vida como o
alimento ou abrir mão de algo que gosto, deve significar: quero que Deus seja o
mais importante na minha, por Ele sou capaz de abrir mão de tudo. Afinal de
contas o pecado não é aquilo que nos impede de ser livres para Deus? Também o
jejum e a abstinência têm um sentido de solidariedade com aqueles que são
privados de tantas coisas básicas, sobretudo do alimento.
A oração é
outro grande exercício espiritual. Deus está presente na nossa vida durante as
24 horas de cada dia, mas nem sempre estamos atentos à sua presença. A oração é
o momento por excelência em que nos colocamos diante de Deus, para falarmos com
Ele, para ouvi-lo, para curtirmos a sua presença. Sendo a quaresma um tempo de
conversão, se torna um momento de reconhecermos aquilo que nos distancia de
Deus e darmos passos em sua direção. Oração é querer caminhar para Deus,
caminhar com Ele, Tê-lo como nosso caminho.
A esmola é
mais do que dar uma moeda a alguém que necessita. É reconhecermos que somos
todos irmãos e que a sua dor deve também tocar o meu coração, que sua carência
deve me provocar à solidariedade. Afinal de contas a páscoa que celebramos é a
solidariedade de nosso Deus com a nossa fraqueza (a morte) e a partilha do seu
dom (a eternidade). Quem abre o coração deve abrir também as mãos, caso
contrário a chamada conversão não passaria de um discurso bonito, mas vazio.
Entrar neste
tempo com o espírito de querer “rasgar o coração, e não as vestes” (Jl 2,13),
“deixando-se reconciliar com Deus”, vivendo este momento como “tempo favorável,
como dia de salvação” (2Cor 5,20; 6,2). Vivendo tudo com muita interioridade, permitindo
que Deus transforme o nosso coração de pedra num coração de carne (Ez 36,26),
semelhante ao coração de seu filho, que nos amou com um coração humano.
A Igreja do
Brasil desde 1964 realiza a Campanha da Fraternidade durante o período da
Quaresma. Qual o espírito da CF 2015? No próximo dia 8 de dezembro estaremos
celebrando os 50 anos do encerramento do Concílio Vaticano II. Na véspera, no dia 7 de dezembro de 1965, a
Igreja recebia uma pérola dada pelo Concílio: a Constituição Pastoral Gaudium
et Spes – sobre a Igreja no mundo atual: “As alegrias
e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos
pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças,
as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma
verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração.” (cf. GS 1). Esta
Constituição Pastoral norteou as relações da Igreja com a sociedade nos últimos
50 anos. Para celebrar o jubileu de ouro deste documento tão importante a CNBB
escolheu como tema da Campanha da Fraternidade 2015: Fraternidade - Igreja e
sociedade, com o lema: “Eu vim para servir” (Mc 10,45).
“O cartaz da CF 2015 retrata o Papa Francisco lavando os
pés de um fiel na Quinta-feira Santa de 2014. A Igreja atualiza o gesto de
Jesus Cristo ao lavar os pés de seus discípulos. O lava-pés é expressão de amor
capaz de levar a pessoa a entregar sua vida pelo outro. É com este amor que
todo ser humano é amado por Deus em Jesus Cristo. Ao entregar-se à morte na
cruz e ressuscitar, como celebramos na Páscoa, Jesus leva em plenitude o Eu vim
para servir (cf. Mc 10, 45).
A Igreja Católica, através de suas comunidades, participa
das alegrias e tristezas do povo brasileiro. O Concílio Vaticano II veio
iluminar a missão evangelizadora da Igreja. Evangelizar pelo testemunho,
dialogando com as pessoas e sociedade. No diálogo, a Igreja (as comunidades)
está a serviço de todas as pessoas. Ao servir, ela participa da construção de
uma sociedade justa, fraterna, solidária e pacífica. No serviço, ela edifica o
Reino de Deus”.
Vivamos o
espírito que a Igreja nos propõe para a Quaresma e para a Campanha da
Fraternidade de 2015! Vivamos este tempo como um tempo de graça, como um tempo
de salvação! (cf. 2 Cor 2,6)
Dom Antonio Carlos Cruz, Msc
Bispo de Caicó-RN
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