quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Trabalho escravo - Dom Genival Saraiva

Como a sociabilidade é um traço distintivo do ser humano, uma convivência harmoniosa seria um corolário lógico na relação entre as pessoas, grupos e povos. A história da humanidade, no entanto, registra páginas negras nessa relação, no tocante à própria convivência, à conquista e exercício do poder e ao conflito de interesses no mundo do trabalho. Notadamente é visível o conflito de interesses no mundo do trabalho, entre demanda e oferta, que sempre tem o capital como seu ponto focal; capital e trabalho constituem um binômio indissociável, desde o momento em que a moeda passou a substituir a forma então vigente do “mercado de troca”. Via de regra, a relação entre capital e trabalho expõe a fragilidade da “lei da oferta e da procura”, numa sociedade marcadamente desigual, mesmo em países que se regem por princípios democráticos.

Uma dessas páginas negras na vida de muitas nações é, precisamente, a prática da escravidão de pessoas, sob uma injusta cobertura da lei, como nos tempos do Brasil colonial, ou ao “arrepio da lei”, quando se age, portanto, na ilegalidade. Hoje, repugna ao simples leitor, ao educador das novas gerações e ao mais atento pesquisador social uma leitura do que representou a escravidão de negros africanos, em países das Américas. A abolição da escravatura, restituindo a “Liberdade, embora tardia”, aconteceu por força da pressão social. Todavia, persistem resquícios da mentalidade escravagista em muitas pessoas e há práticas escravistas em muitas instituições. Em mesas de debate e na linguagem jornalística, é comum chamar-se a atenção para fato da escravidão, praticada hoje de várias maneiras, como “análogo à escravidão.” 

No dia 28 de janeiro, Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, a sociedade, pelos mais diversos canais, se posicionou, contrariamente, à persistente prática da escravidão, na amplitude e nas formas identificadas, atualmente, na relação de trabalho. A CNBB fez isso, através de uma Nota: “Não obstante o esforço da Igreja, de Instituições do Estado e da Sociedade Civil, o trabalho escravo ainda é uma realidade deplorável, no campo, na indústria, no turismo, no setor imobiliário e em outras atividades econômicas. As vítimas são homens, mulheres, jovens, crianças e imigrantes de alguns países latinos que têm em comum a pobreza e o desejo de viver com dignidade. A Igreja, desde a década de 1970, por meio da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e, mais recentemente, pelo Mutirão Pastoral Contra o Trabalho Escravo, tem denunciado este crime. Segundo dados do Ministério do Trabalho, até novembro de 2011, foram libertadas 2.203 pessoas em situação de trabalho escravo. Muitos irmãos e irmãs ainda esperam esta libertação que só se realizará com a implementação de medidas que acabem com a impunidade dessa prática abominável.” Por sua vez, em sua Nota, a Comissão Pastoral da Terra atribui responsabilidade concreta aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário por sua acomodação e morosidade, na definição, condução e acompanhamento da política de “defesa incondicional dos direitos da pessoa, quebrando as amarras que os subjugam ainda ao bel prazer do poder econômico.”

Nenhuma pessoa de bom senso pode admitir o trabalho escravo. Contudo, por interesses sociais e econômicos, empresários e patrões, de maior ou menor porte, adotam práticas análogas às do período da escravidão, enquanto exploram os trabalhadores com exaustiva jornada de trabalhos, vivida em precárias condições, e com uma remuneração que sempre fere princípios da justiça social e dispositivos da legislação trabalhista.

Dom Genival Saraiva de França é Bispo da Diocese de Palmares - PE; Presidente da Conferência Nacional de Bispos Regional Nordeste 2 (CNBB NE2), Responsável pela Comissão Regional de Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz; Diretor presidente do Conselho de Orientação do Ensino Religioso do Estado de Pernambuco (CONOERPE); Membro efetivo do Conselho Econômico da CNBB NE2.

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